A Irlanda, situada a oeste da Grã-Bretanha, é uma ilha relativamente extensa para os padrões europeus (84.200 km2, enquanto a Grã-Bretanha possui 244.200 km2). Seus antigos habitantes eram de etnia celta como os gauleses (habitantes da Gália – França atual), os bretões (habitantes da Britânia – atual Inglaterra), os galeses (habitantes do País de Gales) e os escoceses.
Cristianizados a partir do século V, os irlandeses jamais tiveram unidade política. Divididos em clãs rivais, chegaram no máximo a formar quatro reinos, independentes mas fracos. E, em 1171, a ilha começou a ser conquistada pelos reis da vizinha Inglaterra.
Em 1534, o rei Henrique VIII deu início à Reforma Anglicana,
que estabeleceu na Inglaterra e em Gales uma religião protestante
oficial. A maioria dos ingleses e galeses submeteu-se ao anglicanismo;
mas os irlandeses permaneceram inteiramente católicos, até mesmo
como forma de preservar sua identidade nacional perante os dominadores
ingleses.
Para fortalecer a presença inglesa na Irlanda, foi introduzido
naquela ilha o sistema de plantations – ou seja, a expropriação
de terras dos irlandeses e sua cessão a senhores ingleses, que
as transformavam em latifúndios cultivados extensivamente. Essa
política foi intensificada no reinado de Isabel I (ou Elizabeth
I, 1558-1603) e provocou as primeiras revoltas dos irlandeses, duramente
reprimidas por aquela rainha anglicana e absolutista.
Em 1642, começou na Inglaterra a Revolução Puritana, que provocou em 1649 a queda da Monarquia e a proclamação de uma República dirigida por Oliver Cromwell – um puritano (calvinista) fanático e implacável, muito mais anticatólico do que os anteriores reis anglicanos. As medidas adotadas contra os irlandeses suscitaram nova rebelião, que Cromwell esmagou pessoalmente à frente de suas tropas. Milhares de irlandeses foram massacrados durante a repressão e vastas extensões de terras, confiscadas aos católicos, passaram para as mãos de protestantes recém-chegados, ingleses e escoceses (desde 1603, Inglaterra e Escócia encontravam-se subordinadas a um mesmo governo). O sistema de plantations estendeu-se ainda mais. Somente no Ulster (nordeste da Irlanda), as terras entregues aos protestantes foram divididas em pequenas propriedades. Esse fato fez com que, naquela área, o número de protestantes ficasse mais próximo da maioria católica.
Após a morte de Cromwell, a Monarquia foi restaurada na Inglaterra, com a volta da Dinastia Stuart, que fora deposta em 1649. Mas em 1688, o rei Jaime II Stuart, católico e com tendências absolutistas, foi destronado pela Revolução Gloriosa. Apoiado por Luís XIV da França, Jaime II desembarcou na Irlanda em 1690 e liderou uma revolta dos irlandeses contra a dominação inglesa. No ano seguinte, porém, suas forças foram inapelavelmente batidas pelo novo rei da Inglaterra, o holandês Guilherme III de Orange. Ainda hoje, para comemorar a data daquela vitória, os protestantes da Irlanda do Norte provocam os católicos, desfilando diante deles com bandeiras e insígnias de cor alaranjada!
No final do século XVII e início do XVIII, o Parlamento inglês adotou medidas ainda mais duras contra os católicos da Irlanda. Foram feitas novas expropriações de terras, a prática do catolicismo sofreu fortes restrições (os seminários foram fechados) e os irlandeses católicos perderam vários direitos civis (exercer cargos públicos ou certas atividades profissionais, por exemplo).
Em 1829, o governo britânico, então nas mãos do Partido Liberal, concedeu direitos civis e políticos aos católicos do Reino Unido (que incluía a Irlanda). Todavia, como o voto era censitário, a grande maioria dos irlandeses continuou politicamente marginalizada.
Em 1847-1848, ocorreu na Irlanda a Grande Fome. Uma praga na cultura de batatas (o alimento básico da massa de irlandeses miseráveis) fez com que 800.000 católicos morressem de inanição, numa população total de 8,5 milhões! Como o governo britânico nada fez para minorar tal calamidade, milhões de irlandeses emigraram para os Estados Unidos, onde muitos deles prosperaram, mas sem jamais olvidar sua origem. Em 1900, a população da Irlanda caíra para 4 milhões. Destes, 750 proprietários protestantes controlavam mais de 50% das terras cultiváveis. Os católicos possuíam apenas 14%, geralmente na forma de pequenas propriedades.
Em 1905, os nacionalistas irlandeses fundaram o Sinn Fein (“Nós Sozinhos”), partido político que lutaria pela independência do país utilizando meios legais. Em contrapartida, os protestantes afiaram a Força de Voluntários do Ulster – formação paramilitar destinada a apoiar as tropas britânicas na Irlanda. A essa altura, o Ulster já era uma região industrializada onde os protestantes haviam se tornado maioria, graças à forte imigração de operários ingleses, escoceses e galeses.
No Domingo de Páscoa de 1916, irrompeu em Dublin (capital da Irlanda) uma revolta nacionalista, dominada pelo exército britânico após duros combates. Os líderes capturados foram executados após um rápido e inexorável julgamento.
Nas eleições de 1918, o Sinn Fein elegeu a maioria dos deputados irlandeses ao Parlamento Inglês e, no ano seguinte, proclamou unilateralmente a independência da Irlanda. As tropas britânicas e os Voluntários do Ulster reagiram com violência, e o país conheceu dois anos de selvagens ações terroristas e de guerrilha.
Chegou-se assim a um impasse político-militar. Em 1921, foi firmado um acordo preliminar que, no ano seguinte, resultou no reconhecimento, pelo governo britânico, do Estado Livre da Irlanda, correspondente a 3/4 da ilha. Mas o Ulster (oficialmente denominado Irlanda do Norte) permaneceu vinculado ao Reino Unido da Grã-Bretanha.
O Estado da Irlanda foi integrado na Commonwealth (Comunidade Britânica das Nações), com o mesmo status do Canadá, África do Sul, Austrália e Nova Zelândia. Mas, ao contrário desses outros países, os sentimentos dos irlandeses para com a Inglaterra sempre foram amargos. Por isso, durante a Segunda Guerra Mundial, enquanto canadenses, sul-africanos, australianos e neozelandeses participaram ativamente do conflito, como aliados da Grã-Bretanha, a Irlanda permaneceu neutra. E, em 1949, desligou-se da Commonwealth e proclamou sua independência total, com o nome de República da Irlanda ou Eire (seu nome céltico original).
Mas o Eire era um país agrário, com possibilidades econômicas limitadas e uma taxa de crescimento demográfico elevada para os padrões da Europa Ocidental. Por essa razão, muitos católicos do Sul acabaram migrando para a Irlanda do Norte, em busca de trabalho; atualmente constituem quase 40% da população local, mas sofrem forte discriminação por parte da maioria protestante.
Em 1956, surgiu na Irlanda do Norte o IRA (Irish Republican Army ou Exército Republicano Irlandês) – organização terrorista cujo objetivo é promover a anexação da Irlanda do Norte ao Eire. Desde então, essa entidade vem promovendo atentados contra autoridades britânicas e membros da comunidade protestante da Irlanda do Norte, com frequência e intensidade variáveis. Sua ação de maior repercussão ocorreu em 1979: a explosão da lancha pilotada pelo almirante lorde Mountbatten, herói da Segunda Guerra Mundial e tio da rainha Elizabeth II.
Mas a reação das forças de segurança britânicas e dos irregulares protestantes também tem provocado numerosas vítimas na comunidade católica. Por esse lado, o episódio mais célebre é o “Domingo Sangrento” (relembrado em canção da banda irlandesa U-2) de 1972, quando soldados ingleses mataram 14 civis católicos em Belfast. Em 1994, aliás, morreram mais católicos do que protestantes nos atentados praticados pelos dois lados.
Oficialmente, o governo do Eire repudia a atuação do IRA. Mas este conta com a simpatia de parte da população do Sul e tem o apoio de praticamente toda a comunidade católica do Norte. Além disso, o IRA utiliza o partido Sinn Fein como seu porta-voz e representante político (ou “braço político”, como se costuma dizer).
Em 1972, o governo britânico suspendeu a autonomia administrativa da Irlanda do Norte e colocou a região sob seu controle direto, em um regime quase de ocupação militar.
A primeira-ministra conservadora Margaret Thatcher, a “Dama de Ferro” (1979-1990), tratou com inflexível rigor os militantes do IRA capturados (vários deles foram assassinados in off pelas forças britânicas de repressão), aplicando-lhes o tratamento carcerário destinado a criminosos comuns e não a presos políticos. Assim, coube ao primeiro-ministro trabalhista Tony Blair, eleito em 1997, procurar costurar um acordo multilateral, do qual participaram ele próprio, o primeiro-ministro do Eire e representantes do Sinn Fein e dos unionistas (protestantes da Irlanda do Norte); houve até uma intervenção do presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton.
O acordo, firmado em 1998, determinou eleições livres para a formação de um Parlamento Norte-Irlandês, ao qual caberia indicar um primeiro-ministro para governar a região. Esta permaneceu ligada ao Reino Unido, mas recuperou a autonomia perdida em 1972. E os católicos terão direito de voto, que antes lhes era negado.
Mas os extremistas de ambos os lados ainda apostam em ações violentas, cujo impacto desestabilize o acordo conseguido. Em 2001, nem o IRA nem os unionistas entregaram suas armas às autoridades. Essa situação, somada a atos de violência mais ou menos endêmicos, tornam incerto o futuro da Irlanda do Norte.