Revolução Russa

A Revolução Russa de 1917 foi um acontecimento capital na História do Século XX. E, apesar de o mundo socialista por ela criado haver desmoronado no final do período, aquele evento exerceu uma extraordinária influência na vida de centenas de milhões de seres humanos.

Lenin
Lenin foi o primeiro chefe do Governo Socialista russo,
implantado com a revolução de outubro de 1917.

Antecedentes

Os antecedentes da Revolução Russa devem ser procurados na Revolução Industrial, iniciada no século XVIII, e em seus desdobramentos: formação do proletariado, prática do “capitalismo selvagem” e evolução das idéias socialistas.
A Revolução Industrial consolidou o sistema capitalista e as relações de trabalho assalariado. Nestas, o trabalhador não tem qualquer controle sobre os meios nem sobre os instrumentos de produção, entrando no processo produtivo como mera força de trabalho não-qualificada. Tal situação, agravada pela enorme oferta de mão-de-obra existente, levou os capitalistas a explorar o proletariado de forma absolutamente desumana, configurando o que se convencionou chamar de “capitalismo selvagem”.

O proletariado, por ser um grupo social novo, demorou para adquirir consciência de classe, que Ihe daria a coesão necessária para lutar por melhorias em suas condições de trabalho e de vida. Foi somente a partir de meados do século XIX que começaram a se organizar os primeiros sindicatos e apenas em fins daquele século que eles começaram a conquistar alguns direitos. Os governos dos países industrializados, controlados pela burguesia, obviamente dificultaram ao máximo a organização do operariado e sua luta reivindicatória.

Assim, como a miséria dos trabalhadores permanecia sem expectativa de solução, certos intelectuais (geralmente de origem burguesa, mas sensibilizados pela causa operária) começaram a criar teorias que propunham mudanças na estrutura econômica e social do capitalismo, com vistas a criar uma sociedade mais justa e menos diferenciada. Surgiram então as idéias socialistas.

As primeiras teorias ficaram conhecidas pelo nome de socialismo utópico porque não pregavam a destruição do capitalismo, mas apenas sua reforma; ora, na opinião dos socialistas radicais, essa atitude era utópica, já que, para eles, o capitalismo era intrinsecamente mau, não podendo ser reformado — mas apenas destruído.

O socialismo radical encontrou sua maior expressão em Karl Marx — criador do socialismo científico ou comunismo. Para ele, o capitalismo deveria ser destruído por uma revolução armada do proletariado, o qual implantaria uma ditadura socialista. Nesta, a propriedade privada desapareceria e os meios de produção seriam coletivizados, criando o que Marx esperava fosse uma sociedade sem classes. Quando a revolução socialista se estendesse a todos os países (daí a célebre frase “Proletários de todo o mundo, uni-vos!”), seria possível suprimir o Estado e estabelecer uma sociedade inteiramente igualitária: a sociedade comunista.

Embora o futuro tenha provado que o projeto de uma sociedade comunista era tão utópico quanto as teorias anteriores, o socialismo marxista seduziu milhares de intelectuais e milhões de operários e camponeses. Já em 1871, os comunistas, aliados aos socialistas utópicos e a uma facção de esquerda ainda mais radical — os anarquistas — realizaram aquela que se tornou a maior insurreição socialista antes da Revolução Russa de 1917: a Comuna de Paris. Mas a repressão do governo burguês foi implacável: 13.000 revolucionários foram fuzilados e quase 50.000, deportados.

Marx afirmava que a revolução socialista deveria triunfar nos países mais industrializados, onde o proletariado seria mais numeroso e organizado. Tal previsão falhou redondamente porque, nos países mais desenvolvidos, os operários já haviam conquistado certos direitos e benefícios, o que diminuiu seu entusiasmo por uma revolução armada.

Restavam, portanto, os países atrasados, onde a exploração e miséria dos trabalhadores ainda se encontrava no estágio do capitalismo selvagem; nesses Estados, as condições para uma revolução proletária eram mais favoráveis.

A Rússia no início do século XX

Ao iniciar-se o século XX, o Império Russo apresentava um extraordinário atraso em relação às demais potências européias:

Atraso econômico — A economia ainda era basicamente agrária, praticada em latifúndios explorados de forma antiquada, através do trabalho de milhões de camponeses miseráveis. A industrialização russa foi tardia, dependente de capitais estrangeiros e se restringia a algumas grandes cidades.

Atraso social — A sociedade russa era ainda mais desigual que a sociedade francesa às vésperas da Revolução de 1789. Havia o absoluto predomínio da aristocracia fundiária, diante de uma burguesia fraca e das massas camponesas marginalizadas. O proletariado russo era violentamente explorado; mas já possuía uma forte consciência social e política e estava concentrado nos grandes centros urbanos — o que facilitaria sua mobilização em caso de revolução.

Atraso político — O Império Russo era oficialmente uma autocracia (isto é, uma monarquia absoluta), com todos os poderes centralizados nas mãos do czar. Não havia partidos políticos legalizados, embora as agremiações clandestinas fossem bastante atuantes. Delas, a mais importante era o Partido Social-Democrata Russo, que em 1903 se dividiu em dois ramos: bolcheviques (marxistas radicais) e mencheviques (socialistas moderados).

A Revolução de 1905

Em 1904-5, a Rússia entrou em guerra com o Japão, disputando territórios no Extremo Oriente, e foi derrotada.
Esse conflito repercutiu na Rússia Européia, dando origem à Revolução de 1905 — que Lenin mais tarde considerou um “ensaio geral para a Revolução de 1917”.

A Revolução de 1905 consistiu em três episódios distintos, todos extremamente significativos:

O Domingo Sangrento — Uma manifestação pacífica de milhares de operários de São Petersburgo (então capital da Rússia) foi violentamente dispersada pela Guarda Imperial, com centenas de vítimas. Esse acontecimento abalou profundamente a confiança do povo em seu imperador.

A revolta do “Potemkin” — O “Potemkin” era um couraçado pertencente à frota russa do Mar Negro. Sua tripulação rebelou-se ao saber que seria enviada para lutar contra os japoneses. Os demais navios da esquadra não aderiram à revolta do “Potemkin”, cujos tripulantes acabaram refugiando-se na Romênia. De qualquer forma, tratava-se de um motim em uma grande unidade da Marinha Russa, evidenciando que as Forças Armadas já não podiam ser consideradas sustentáculos fiéis da Monarquia.

A greve geral — Em São Petersburgo, Moscou e Kiev, os operários entraram em greve geral. Apesar da repressão militar, os trabalhadores resistiram por algumas semanas, sobretudo em Moscou. Dois fatos importantes ocorreram durante essa greve: foram organizados os primeiros sovietes (conselhos) de trabalhadores e houve operários que se defenderam a bala, mostrando que estavam se preparando para uma insurreição armada.

Em 1906, tendo em vista os abalos produzidos pela Revolução de 1905 e pela derrota frente ao Japão, o czar Nicolau ll resolveu criar a Duma, como um primeiro passo em direção à liberalização. Tratava-se de uma Assembléia Legislativa com poderes extremamente limitados; e, como era censitária, seus deputados representavam apenas 2% do total da população.

A Revolução de 1917 (1ª fase)

A causa imediata da Revolução Russa foram os efeitos desastrosos do envolvimento russo na I Guerra Mundial. Na qualidade de membro da Tríplice Entente, juntamente com a Grã-Bretanha e a França, o Império Russo entrou em guerra com a Alemanha e a Áustria-Hungria em 1914. Mas, embora seu gigantesco exército tivesse o apelido de “rolo compressor”, os russos não estavam à altura de seus adversários alemães. Estes impuseram às tropas do czar derrotas esmagadoras, que só não levaram a Rússia à rendição porque a Alemanha, dividida entre duas frentes de batalha (havia uma Frente Ocidental, contra ingleses e franceses), não pôde explorar suas vitórias a fundo. Mesmo assim, boa parte do território russo encontrava-se em poder dos invasores — principalmente a Ucrânia, cujo tchernoziom (terra negra) era considerado o celeiro do Império.

As pesadas perdas sofridas pelo exército, mais as dificuldades de abastecimento, somadas à alta do custo de vida e à ineficiência e corrupção administrativas, levaram o povo russo a uma situação de verdadeiro desespero. Assim, em fevereiro de 1917 (março, pelo calendário vigente nos países ocidentais), eclodiram manifestações em Petrogrado (novo nome de São Petersburgo), exigindo a saída da Rússia da guerra. As tropas da capital recusaram-se a reprimir os manifestantes e aderiram a eles. O czar Nicolau ll, que se encontrava em seu quartel-general, foi impedido de entrar em Petrogrado. Em questão de dias, a insurreição alastrou-se por todas as grandes cidades do Império.

Como o príncipe-herdeiro era hemofílico, Nicolau ll preferiu abdicar em favor de seu irmão, mas este recusou o trono. Para que a Rússia não ficasse acéfala, a Duma organizou um governo provisório constituído de aristocratas e burgueses, sob a chefia do príncipe Lvov.

Tentando ganhar o apoio das massas, o novo governo adotou uma postura liberal, decretando anistia política. Com isso, milhares de prisioneiros foram libertados e centenas de exilados retornaram à Rússia. Entre eles, inúmeros revolucionários bolcheviques, liderados por Lenin. Imediatamente começaram a ser organizados sovietes de operários, soldados e camponeses, com vistas à realização da revolução socialista.

Recém-chegado do exílio, Lenin tentou um golpe de Estado em julho de 1917, mas falhou e foi obrigado a se esconder por algum tempo. O príncipe Lvov foi substituído na chefia do governo provisório por um advogado chamado Kerensky, do Partido Social-Revolucionário (apesar do nome, essa era uma agremiação política moderada), que gozava de uma certa popularidade. Mas esta se deteriorou rapidamente, devido à insistência de Kerensky em continuar a guerra contra a Alemanha, apesar dos anseios de paz da população e da impossibilidade de a Rússia poder sustentar um conflito militar de tais proporções.

A Revolução de 1917 (2ª fase)

Em outubro de 1917 (novembro, pelo calendário ocidental), os bolcheviques finalmente tomaram o poder. Os sovietes, controlados por eles, haviam se transformado no poder de fato da Rússia, anulando o papel da Duma e de Kerensky. Um assalto ao palácio do governo, conduzido por soldados bolcheviques, resultou na fuga de Kerensky, que conseguiu se refugiar nos Estados Unidos. Algumas dezenas de jovens cadetes pereceram nas escadarias e salões do palácio, tentando defender seu líder que fugia.

A Duma foi dissolvida e o poder foi assumido por um Conselho de Comissários do Povo, chefiado por Lenin. O novo governo convocou imediatamente uma Assembléia Constituinte.

As eleições se realizaram em condições caóticas. Os bolcheviques dominavam Petrogrado, Moscou, Minsk e Kiev — ou seja, os grandes núcleos urbanos da Rússia Européia. Mas seu poder estava longe de ser estável nas vastidões do agonizante Império Russo. Assim, as eleições deram maioria aos partidos não-bolcheviques.

A Assembléia Constituinte reuniu-se em Petrogrado em janeiro de 1918 — por um único dia. Comprovada a hostilidade da maioria dos deputados ao Conselho de Comissários do Povo, Lenin ordenou seu fechamento. Começava a ditadura comunista, com todos os seus desdobramentos: a paz com a Alemanha, a Guerra Civil entre Brancos e Vermelhos (1918-21), a socialização (freada temporariamente pela NEP — Nova Política Econômica), a luta pelo poder entre Trotsky e Stalin e, enfim, a ditadura stalinista (1928-53), uma das mais sangrentas de todo o século XX.

A derrubada da estátua de Lenin
A derrubada da estátua de Lenin simboliza o fim da primeira experiência do Estado Socialista.